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Olhei para o céu, lembrei de ti!

Cheguei do outro lado do mundo e aqui tudo parece um pouco frio. As pessoas são altas, olham reto, e ninguém me percebeu ainda. Não tenho amigos, não tenho livros e tenho apenas moedas no bolso. Trouxe moedas. Minha tia me entregou algumas no aeroporto. Papai e mamãe parecem mais cansados do que quando morávamos no Brasil. Uma senhorinha de olhar azulado, aquele azul bem azul, falou algo com mamãe no mercado. As duas riram, mas eu não entendi nada. Mamãe é sempre tão gentil; ela diz que a gentileza faz o mundo ficar melhor. Papai retruca dizendo que nem todo mundo merece gentilezas. Eu decidi escrever esta carta como uma gentileza. Hoje está bastante frio, chovendo durante a manhã e a tarde. Ainda não é noite, então não sei dizer se vai continuar chovendo. Papai disse que preciso estar na cama às 21h. Reclamei, porque quero ver um filme na televisão. Ele me respondeu que, quando eu não tiver mais dentes de leite, poderei decidir a hora de ir para a cama. Fico fazendo planos para quando...

O ensaio da despedida

Eu estava no metrô e veio à minha cabeça a frase:  “ensaio da despedida” . Não sei se é de algo que ouvi, li ou alguém comentou, mas achei bonito. E comecei a pensar nas despedidas, porque esse tem sido um tema que me vem à mente de forma recorrente, desde que meu irmão fez sua passagem há quase dois anos.  Se despedir dói. Pensei em tantas outras formas de despedida, refleti sobre o amor, sobre amores. Existir é plural e amar também, mas não estou falando de poliamor; estou falando de mim, da minha história e de todos os amores que compõem e compuseram meus caminhos. Das amizades que acabaram – e algumas realmente acabam; dos fracassos amorosos que começaram de um jeito e terminaram da forma mais evidente, tendo diagnósticos de tempos líquidos que vão de  love bombing  a  gaslighting . Talvez americanizar esse tipo de coisa deixe o trauma menos denso, ou simplesmente mais aceitável. Mas o ensaio da despedida é algo que perpassa o calendário, porque às vezes voc...

Chorar incomoda a quem?

Em alguns dias penso que nunca mais escreverei, e já em outros penso tanto, falo tanto, sinto tanto, que eu percebo as palavras correndo de forma solta por todo o meu corpo. Porque eu não choro, e quando choro, desabo. Vai fundo o meu choro. Minha relação com a lágrima sempre foi algo muito cuidadoso, porque em casa, sempre ouvi que eu chorava demais quando criança. E isso incomodava, e eu fui crescendo com esse medo de incomodar. Quando minha avó materna faleceu, lembro que não consegui chorar no dia, no velório e no enterro. Fiquei entalado. Nasci na casa dela, na cama dela. Ela era amorosa demais comigo, mas sempre me alertava sobre o meu choro. E apenas alguns anos depois consegui, de fato, chorar de saudade, de falta. Consegui viver o vazio que era o luto daquela perda que me pedia para não chorar. Quanto mais a gente cresce, mais a gente toma espaço no mundo. Os ossos alargam, a voz muda, os pelos crescem, caem e voltam a crescer mais uma vez. São tantos ciclos. A gente fica meio...

Como lidar com a falta? (de amor)

Ando pensando sobre a finalidade do amor e não cheguei a uma resposta, mas me veio à mente uma pergunta: onde estou procurando o amor? Porque, no final das contas, a troca sentimental mira, mesmo que de forma inconsciente, no amor. No desejo de acolhimento e pertencimento a uma história, ainda que ela exista apenas em nossas cabeças. Isso não quer dizer que, após o primeiro date, isso vai acontecer de forma mágica, como nos filmes. Acorda, Alice! Nunca consegui pensar em meus afetos com pré-requisitos que se assemelham a entrevistas de emprego ou à triagem para agência de modelo. Digo, sabe aquelas questões: precisa ter tal altura, precisa ter grana, precisa disso ou daquilo. Isso não me brilha os olhos, porque eu entendo que minhas necessidades quem banca sou eu. Sempre pensei mais em como eu me sentiria sobre tesão, curiosidade e felicidade, compartilhando a vida com a pessoa com quem me conectei. E que esse lado bom faria diferença, mesmo quando chegasse o lado ruim. Afinal, se rela...

Eu te vi nas artes plásticas, você mexeu demais comigo. Letrux.

“Eu te vi nas artes plásticas, você mexeu demais comigo.” Tenho essa frase tatuada no lado esquerdo do peito, não muito longe da gola da camiseta, para mostrar a quem tiver interesse em vê-la. Esse é um trecho de uma música da Letrux (cantora brasileira do Rio de Janeiro), onde ela fala sobre um flerte que mexeu com ela, mas estou explicando vagamente. Por isso, aconselho que ouça a canção e reflita.                                           Ser percebido nas artes me traz uma ideia de entendimento vasto. Não estou falando de devoção ou de ideias maníacas, estou falando de conhecer alguém que te acessa, que toca em algo que você não sabe nomear. Muito cedo para ser amor e muito tranquilo  para ser paixão. Algo que vibra de excitação e alegria. Aquelas alegrias que te fazem sorrir ao lembrar que aquela pessoa existe, porque ela existe no café que ainda vai acontecer, no jantar de...

Eu lhe amaria com a intensidade de dez sóis de Recife

A gente se conheceu entre as esquinas de Recife, eu tava ali andando manso e perdido nos meus pensamentos. Era sábado de manhã, e eu geralmente não espero muita coisa logo cedo. Sei que para alguns é dia santo, já para outros, somente mais um dia. E para mim, tudo é implícito. Não gosto e não deixo de gostar, vou vivendo. E nessa de viver, te encontrei, era um dia quente. E para quem não sabe, Recife é uma cidade de Pernambuco, que tá ali no nordeste fazendo carnaval, arte e enchendo os meus olhos. É quente, é muito quente. Mas é gostoso sentir o sol queimando, a maresia próxima, o sotaque; tudo chama um pouco. Minha avó era de lá. E eu acho que sou um pouco também, apesar de ser paraibano. No final, a gente acaba sendo um pouco de cada lugar em que passamos. E eu vivi lá, mesmo que de passagem.  E foi assim de passagem que entrasse no meu coração, depois que entrasse em meus olhos. Te vi, reparei, nos reparamos. Na minha cabeça, parece que Geraldo Azevedo cantava Dona da Minha Cab...

Parafraseando Drummond

Eu sei que tenho feito certas pausas, e que voltando sempre me justifico. Por isso, saibam que de tempos em tempos escrever se torna algo que eu não gosto de fazer. Porque quando escrevo, mostro tudo de mim, e isso é coisa de alma. E penso que às vezes, a alma emudece. E a interpretação alheia pode ser muito imprecisa sobre o que sentimos e quem somos.  E eu tenho falado muito nos últimos tempos, mas não necessariamente o que eu gostaria. Porque, até mesmo quando eu falo, algo em mim não se esgota. Há anos, li em algum livro onde o personagem dizia que nem com palavras, algumas dores não estancam. E parafraseando Drummond, meu bem, essa ferida as vezes sara amanhã, as vezes sara nunca.  Esse ano, completei 33 anos, e em alguns dias, pensei absurdamente em meus erros e acertos. Me arrependi profundamente de tantas coisas. Porque, infelizmente, fazemos escolhas, e elas permeiam parte da gente ou de tudo o que temos. É um ralo que leva tudo, e em alguns casos pode ser tempo, dinh...