Chorar incomoda a quem?

Em alguns dias penso que nunca mais escreverei, e já em outros penso tanto, falo tanto, sinto tanto, que eu percebo as palavras correndo de forma solta por todo o meu corpo. Porque eu não choro, e quando choro, desabo. Vai fundo o meu choro. Minha relação com a lágrima sempre foi algo muito cuidadoso, porque em casa, sempre ouvi que eu chorava demais quando criança. E isso incomodava, e eu fui crescendo com esse medo de incomodar.

Quando minha avó materna faleceu, lembro que não consegui chorar no dia, no velório e no enterro. Fiquei entalado. Nasci na casa dela, na cama dela. Ela era amorosa demais comigo, mas sempre me alertava sobre o meu choro. E apenas alguns anos depois consegui, de fato, chorar de saudade, de falta. Consegui viver o vazio que era o luto daquela perda que me pedia para não chorar.

Quanto mais a gente cresce, mais a gente toma espaço no mundo. Os ossos alargam, a voz muda, os pelos crescem, caem e voltam a crescer mais uma vez. São tantos ciclos. A gente fica meio tonto de tanto andar. E por um momento, bate um cansaço. E de frente a um espelho antigo, nada do que fomos se parece com o que somos atualmente.

Eu, por exemplo, afirmo que não sou nada do que fui. A vida vai fazendo a gente substituir doçura por firmeza, fé nas pessoas por um grande receio do pior que pode vir. E apesar de eu costumar dizer que a vida vai deixando a gente cascudo, prefiro lembrar de uma versão minha que sonhava mais, que via graça em um tanto de coisas. Os traumas vão tirando o gosto de muita coisa da gente, mas penso que há algo que faz a gente existir, resistir e continuar seguindo para algum rumo que nos faça trazer sentido a estar nesse planeta.

E hoje, ainda sem muito chorar, aprendi a ter clareza no que sinto. E essa é a melhor parte de ser um jovem adulto: o amadurecer. Apesar de ter me tornado mais recluso, com menos energia, menos empolgado e tagarela, ainda sou o Almir. Ainda existo e quero continuar existindo por muito tempo. Porque quando tudo dói, a possibilidade de não ter nascido fica mais poética do que dolorosa. Mas cá estou eu com minhas realidades. Com tudo cru, pulsando e vibrando. A realidade certa, imutável, que meus dedos não controlam, mas ainda assim, pode ser saborosa de alguma forma.

No último final de semana, comi caju, minha fruta favorita. E isso me fez lembrar da minha infância. O domingo estava ensolarado. Eu agradeci por existir, por sentir o gosto, o cheiro e por persistir na vontade de viver muita coisa. Que você também não desista.

Por Almir Santana

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