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Mostrando postagens de 2025

Olhei para o céu, lembrei de ti!

Cheguei do outro lado do mundo e aqui tudo parece um pouco frio. As pessoas são altas, olham reto, e ninguém me percebeu ainda. Não tenho amigos, não tenho livros e tenho apenas moedas no bolso. Trouxe moedas. Minha tia me entregou algumas no aeroporto. Papai e mamãe parecem mais cansados do que quando morávamos no Brasil. Uma senhorinha de olhar azulado, aquele azul bem azul, falou algo com mamãe no mercado. As duas riram, mas eu não entendi nada. Mamãe é sempre tão gentil; ela diz que a gentileza faz o mundo ficar melhor. Papai retruca dizendo que nem todo mundo merece gentilezas. Eu decidi escrever esta carta como uma gentileza. Hoje está bastante frio, chovendo durante a manhã e a tarde. Ainda não é noite, então não sei dizer se vai continuar chovendo. Papai disse que preciso estar na cama às 21h. Reclamei, porque quero ver um filme na televisão. Ele me respondeu que, quando eu não tiver mais dentes de leite, poderei decidir a hora de ir para a cama. Fico fazendo planos para quando...

O ensaio da despedida

Eu estava no metrô e veio à minha cabeça a frase:  “ensaio da despedida” . Não sei se é de algo que ouvi, li ou alguém comentou, mas achei bonito. E comecei a pensar nas despedidas, porque esse tem sido um tema que me vem à mente de forma recorrente, desde que meu irmão fez sua passagem há quase dois anos.  Se despedir dói. Pensei em tantas outras formas de despedida, refleti sobre o amor, sobre amores. Existir é plural e amar também, mas não estou falando de poliamor; estou falando de mim, da minha história e de todos os amores que compõem e compuseram meus caminhos. Das amizades que acabaram – e algumas realmente acabam; dos fracassos amorosos que começaram de um jeito e terminaram da forma mais evidente, tendo diagnósticos de tempos líquidos que vão de  love bombing  a  gaslighting . Talvez americanizar esse tipo de coisa deixe o trauma menos denso, ou simplesmente mais aceitável. Mas o ensaio da despedida é algo que perpassa o calendário, porque às vezes voc...

Chorar incomoda a quem?

Em alguns dias penso que nunca mais escreverei, e já em outros penso tanto, falo tanto, sinto tanto, que eu percebo as palavras correndo de forma solta por todo o meu corpo. Porque eu não choro, e quando choro, desabo. Vai fundo o meu choro. Minha relação com a lágrima sempre foi algo muito cuidadoso, porque em casa, sempre ouvi que eu chorava demais quando criança. E isso incomodava, e eu fui crescendo com esse medo de incomodar. Quando minha avó materna faleceu, lembro que não consegui chorar no dia, no velório e no enterro. Fiquei entalado. Nasci na casa dela, na cama dela. Ela era amorosa demais comigo, mas sempre me alertava sobre o meu choro. E apenas alguns anos depois consegui, de fato, chorar de saudade, de falta. Consegui viver o vazio que era o luto daquela perda que me pedia para não chorar. Quanto mais a gente cresce, mais a gente toma espaço no mundo. Os ossos alargam, a voz muda, os pelos crescem, caem e voltam a crescer mais uma vez. São tantos ciclos. A gente fica meio...